sábado, 21 de abril de 2007



Manifesto sobre a Habilitação de Relações Públicas:

Um direito dos alunos da UFMG

Nós, alunos do curso de comunicação social, sabemos das discussões que foram levantadas, especialmente no ano passado, com relação à suspensão das habilitações de Relações Públicas e RTV, bem como da constituição de uma reformulação profissional do curso de Comunicação Social da UFMG.

Em agosto de 2006, foi constituída uma Comissão de Avaliação da Formação Profissional do Curso de Comunicação Social, formada pelos professores Dr. Bruno Souza Leal, Dr. César Guimarães, Dra. Rousiley Maia, bem como pela representante discente Lívia Furtado. Para indicar a decisão de suspender a habilitação de Relações Públicas, a comissão levantou os seguintes elementos balizadores:

- Os desafios do ensino da comunicação no Brasil: levantou-se aqui a necessidade de buscar a universidade pública como local diferenciado, de resistência, estímulo e criatividade; como produtora de conhecimento e não apenas como local imediatista de formação mercadológica; segundo a comissão, os cursos de comunicação, historicamente, privilegiam uma visão instrumental da formação profissional, em parte resultante do mesmo processo que fez constituir o sistema midiático brasileiro;

- A transformação das habilitações em cursos autônomos representa um processo restrito de formação “pois, ao tentar abarcar um conjunto de competências e habilidades definidas estritamente pela habilitação, converge para uma visão demasiadamente técnica do trabalho e para um perfil circunscrito do profissional”, tendo a Pós-graduação uma proposta de transcender as habilitações tradicionais, a partir de um conhecimento mais amplo, amparado em abordagens teóricas;

- Desde 2004, dados indicavam a procura por duas habilitações principais (PP/Jornalismo), que responderiam por mais de 80% dos formandos e duas subsidiárias (RP/RTV) com menos de 10% dos formandos, cada uma;

- As habilitações deixam de ser o principal identificador dos alunos, constituindo-se de fato num diploma apreciado pelo seu valor de mercado e não como espelho de uma formação. A eleição de duas habilitações principais (jornalismo e publicidade e propaganda), nesse sentido, seria coerente com o valor e o prestígio dos diplomas e com a maior identificação das áreas de atuação dos profissionais. Além disso, presenciava-se um número reduzido de atividades em RP e RTV, dentro do conjunto maior das habilitações;

- Junto à extinção das habilitações de RP e RTV, segue ainda uma proposta de constituição do curso em quatro ênfases da formação em Comunicação, que marcariam a identidade profissional dos alunos, a oferta das atividades e a inserção dos docentes, a saber:

· Produção da notícia: a construção da informação jornalística, a pesquisa e a reportagem; a noticiabilidade conforme públicos e veículos; a pesquisa jornalística e suas variações conforme mídias e veículos; as implicações éticas e epistemológicas do processo jornalístico de construção da realidade; as relações entre processo jornalístico, vida social, mídias e linguagens;

· Criação em Comunicação: a produção de imagens gráficas, eletrônicas e digitais com fins mercadológicos e artísticos; técnicas e processos de produção em mídia impressa e web. As articulações entre imagens e outras linguagens e o processo de composição textual. As dimensões estéticas e informativas das linguagens gráficas e digitais. As relações entre imagem e vida social: sociabilidade, política e de identidade;

· Comunicação nas organizações: o processo comunicacional como recurso estratégico de organizações comerciais e sem fins lucrativos. O planejamento da comunicação: processos, instrumentos, implicações. Ações de comunicação considerando a segmentação de públicos: a mobilização social.

· Estudos comunicacionais: compreensão do processo comunicacional, tendo em vista seus aspectos epistemológicos, Comunicação: a sociais e de linguagens. As mídias: suas especificidades e as relações com a vida social. Procedimentos de análise de situações e produtos de comunicação: processos, instrumentos, implicações. Estudos de casos peculiares e significativos à vida contemporânea.

Especialmente com relação à habilitação de Relações Públicas, gostaríamos de levantar algumas ponderações que, a nosso ver, são de fundamental importância, tanto em relação a alguns aspectos problemáticos desse relatório, quanto com relação ao curso de Relações Públicas da UFMG:

1) A necessidade de formação humanística versus o desafio de uma ciência social aplicada:

Os cursos de comunicação social, de maneira geral, inscrevem-se no campo das ciências sociais e humanas, recebendo referencial teórico e humanístico na condução de suas práticas, no entendimento da comunicação social e mediatizada nas sociedades contemporâneas, bem como no entendimento da comunicação como um processo social e lingüístico mais amplo; contudo, a comunicação social se imbui de desafios de uma ciência social aplicada: sua formação pressupõe também um conhecimento técnico dos processos, um conhecimento específico de determinadas práticas. Tal questão, mais do que uma questão mercadológica, representa uma questão social: a comunicação, a partir de processos e técnicas, encontra-se a serviço de uma sociedade, e é papel também da universidade pública oferecer o aprendizado dessas técnicas. Esse representa um argumento equivocado para que a habilitação de Relações Públicas seja suspensa: partindo desse pressuposto, todas as habilitações apresentam um instrumental técnico que, a partir desse argumento, deveriam ser também suspensas. Um outro fato é que a lógica de habilitações não é excluída das diretrizes do Mec para os cursos de comunicação; de fato, preconiza-se a existência de ênfases de formação; contudo, tais ênfases devem estar conjugadas com as habilitações em questão.

2) As habilitações verus uma lógica holística

Como apontado no relatório, o entendimento da comunicação a partir de habilitações apresenta um entendimento redutor da comunicação; realmente isso é fato: o profissional que se forma e se especializa apenas numa área de formação específica deixa de apreender o todo do processo comunicativo; contudo, se a lógica de habilitações não deve ser seguida, a partir desse argumento, porque manter as habilitações de jornalismo e publicidade, já que, em alguma medida, elas acabam “taxando” o profissional formado, e incluindo-o num determinado conjunto de expectativas com relação a sua formação? Por que, portanto, não suspender todas as habilitações e propor um novo lugar de resistência e inovação da universidade pública? No item e (acima relatado), quando se propõe que as habilitações deixam de ser o principal identificador dos alunos, porque escolher duas habilitações, portanto, se a lógica que as rege é a mesma que pede a suspensão de Relações Públicas?

3)A crítica a uma lógica mercadológica versus argumento de procura

No início do relatório, tal comissão apresentou dura crítica a uma formação mercadológica, e que a universidade pública deve ser o lugar do estímulo, da criação, da resistência. Contudo, há também aqui um grande equívoco quando um dos argumentos principais é levantado para a extinção da habilitação de Relações Públicas: a baixa procura pelos alunos. Ora, será que uma universidade pública se mantêm por uma lógica de procura, mas por uma lógica de oferecer uma determinada formação relevante? Será que a baixa procura é dado suficiente para a suspensão do curso de Relações Públicas? Será que este fato não representa apenas uma questão conjuntural? Será que aqueles que se formaram em Relações Públicas na UFMG não oferecem contribuições relevantes à sociedade?

4) As ênfases de formação: o mesmo conteúdo das Relações Públicas

Na proposição das ênfases de formação, uma delas, “A comunicação das organizações” passa a contemplar os conteúdos da habilitação de Relações Públicas. Se o conteúdo será o mesmo, por que se suspender tal habilitação? A questão principal de tudo isso é que tal suspensão nega um direito que os alunos da UFMG sempre tiveram, desde que o curso, em 1975, foi dividido em habilitações: optar pela habilitação de Relações Públicas. E tal questão, apresenta uma série de implicações.

A habilitação de Relações Públicas é regulamentada e, dentre as habilitações da comunicação, é a única que possui um Conselho: o Conselho dos Profissionais de Relações Públicas. Uma das funções deste conselho é regulamentar e fiscalizar a profissão de Relações Públicas. Isso significa dizer que um profissional, para executar as funções de comunicação estratégica e comunicação nas organizações, deve ser formado na habilitação de Relações Públicas. Tal questão vale tanto para a participação em concursos públicos, quanto para o trabalho em empresas privadas e em organizações do terceiro setor. Será que a extinção dessa habilitação e a continuidade do mesmo corpo de conhecimentos não representa uma negação ao direito dos alunos de terem a oportunidade de se formar em tal habilitação? Dito de outra maneira, será que essa proposta não acaba negligenciando um direito dos alunos de se formarem na habilitação de Relações Públicas e poderem exercer, profissionalmente ou mesmo academicamente (os professores de Relações Públicas também são fiscalizados pelo Conselho) este campo de práticas e conhecimentos? Assim, propor uma visão generalista de formação é uma questão correta, mas porque retirar o direito dos alunos de se formarem numa habilitação que hoje é reconhecida e que é investida de regulamentação?

5) A imbricação de três discussões: a formação, as habilitações, a conjuntura do curso da UFMG desde 2004

A partir de todas essas questões levantadas no relatório proposto, é possível observar três discussões que parecem se imbricar, e que todas elas dão por solução a suspensão das habilitações de Relações Públicas e Rádio e TV: uma questão da formação; uma questão de habilitação; uma questão da conjuntura da habilitação de RP desde 2004.

Uma formação restrita por habilitação é questão clara, e inteligível. Ou seja, a formação de qualquer profissional deve ser ampla. Contudo, a solução de tudo isso passa por investimentos no currículo, no curso e na formação dos professores. Será que a suspensão de uma habilitação resolve o problema da formação do aluno de comunicação social? Neste caso, tal suspensão, além de poder não resolver, como vimos, acaba por retirar um direito dos alunos de se formarem numa habilitação reconhecida pela sociedade e por uma autarquia federal. Negligenciar o direito do aluno cursar Relações Públicas certamente é negligenciar uma realidade que os alunos enfrentarão, após se formarem, e só o conhecimento da Comunicação das Organizações não é suficiente: é preciso a titulação. Será mesmo que uma universidade pública deve estar alheia a isso? Nesse sentido, há uma certa confusão apresentada no relatório, e é possível perceber que se questiona muito mais uma questão de formação dos alunos do que uma questão da pertinência da habilitação.

Uma outra questão é a própria conjuntura da habilitação de Relações Públicas da UFMG. A habilitação conta, oficialmente, com três professores efetivos; contudo, um, desde 2004, encontrava-se em licença para doutoramento e retornou agora, em 2007; outra, aposentou-se entre 2001 e 2002 e uma outra se encontra de licença médica. O curso passou por uma série de problemas, e, sem professores substitutos suficientes, acabou por prejudicar a formação dos alunos, nestes três anos. Hoje, encontram-se trabalhando três professores substitutos para a área de Relações Públicas, além do professor efetivo, e, certamente isso traz outra configuração para a habilitação e para a formação dos alunos. Será que, portanto, suspender a habilitação de Relações Públicas não seria prematuro demais? Entender essa questão apenas como uma questão conjuntural, cuidar do concurso de um novo professor para a área e manter os substitutos, além de investimento em projetos, não seria mais correto, tendo em vista a história do curso e da formação dos alunos que, a partir dessa proposta, parece ser negligenciada?

6) Relações Públicas: mais que um conhecimento técnico

As Relações Públicas, mais que um conjunto de técnicas e práticas, apresenta-se como um campo de conhecimentos reconhecido no Brasil, inclusive como área de formação do CNPQ. Nesse sentido, excluir tal habilitação por se constituir como um corpo de conhecimentos técnicos – como argumentado no relatório – não seria inaplicável?

7) A estrutura e a produção da habilitação de Relações Públicas na UFMG

A habilitação de Relações Públicas na UFMG conta com a estrutura do Laboratório de Relações Públicas Plínio Carneiro (Larp) que congrega os projetos da área, além de contar com uma funcionária responsável dessa universidade, graduada em Relações Públicas. Ao longo de sua história, o Larp foi responsável por uma série de projetos, como consta em seu histórico. Além disso, no Larp, um projeto de extensão denominado Mobiliza – Comunicação para a Mobilização Social, representa um programa pioneiro no Brasil que insere, TEORICAMENTE, a questão da mobilização social como um problema de Relações Públicas. Por meio do MOBILIZA, foram publicados, pela Editora Autêntica, em 2004, 2005 e 2006 a coleção “Comunicação para a Mobilização Social”, sendo os livros: “Comunicação e Estratégias de Mobilização Social”, “Visões de Futuro: Responsabilidade Compartilhada e Mobilização Social” e “Entre o espetáculo, a festa e a argumentação: mídia, comunicação estratégica e mobilização social”, todos esses conhecimentos produzidos tendo como uma de suas referências os conhecimentos das Relações Públicas. Além disso, o Larp conta com projetos de conclusão de curso premiados em concursos nacionais da área, além de representar um espaço congregador para as discussões relativas à profissão. Também vale destacar que o Laboratório de Relações Públicas submeteu um projeto ao Programa Especial de Graduação – PEG – para levantar o perfil da habilitação de Relações Públicas, projeto este aprovado pela Prograd, que certamente contribuirá para uma melhor avaliação da habilitação. Será que não seria prematura uma decisão de suspender a habilitação antes do resultado deste PEG?

Ainda é possível ressaltar que a habilitação de Relações Públicas, ao contrário de outras habilitações, não apresenta grandes demandas de aparelhagem técnica para a formação dos alunos. São necessários um investimento teórico pesado, um entendimento dos processos comunicativos estratégicos, e uma prática comunicativa técnica (publicitária e jornalística) que pode ser, perfeitamente, compartilhada com as outras habilitações. Por que acabar, então, com a habilitação de Relações Públicas? Por que negligenciar esse direito dos alunos? Qual justificativa seria plausível?

8)Mais que uma questão de habilitação: uma questão de compromisso público

O curso de Relações Públicas da UFMG representa o único curso de Relações Públicas em Minas Gerais, oferecido numa universidade pública (inclusive, muitos dos ex-alunos que aqui se formam são professores em outras instituições). Excluir a habilitação de Relações Públicas da UFMG é excluir o compromisso público dessa universidade e negligenciar o direito dos alunos de se formar em Relações Públicas. Ignorar tudo isso é ignorar o papel dessa universidade na sociedade; é fazer coro a uma lógica quantitativa e não a uma lógica de resistência, de oferecimento de um conhecimento importante publicamente; ignorar a habilitação de Relações Públicas é também não ouvir os profissionais que aqui se formaram, bem como não se levar em conta suas carreiras e suas contribuições que oferecem à sociedade.

Por isso, rogamos, junto à comissão competente de decisão sobre a suspensão da oferta da habilitação de Relações Públicas para 2008, que considere nossos argumentos para a manutenção desta habilitação, para continuar garantindo nosso direito em ter a formação e a titulação em Relações Públicas, bem como o direito de nossa sociedade de continuar recebendo as contribuições que essa universidade pública tanto oferece.

Belo Horizonte, abril de 2007.

Um comentário:

Marcelo Fruta Antunes disse...

O compromisso de uma universidade pública é de caráter social e não estritamente mercadológico. Tal decisão, de viés imediatista, não condiz com a seguinte assertiva do reitor Ronaldo Tadêu Pena:

"No mundo inteiro, o ensino superior é ministrado em instituições universitárias — cujo objetivo precípuo é tanto a formação de estudantes quanto a produção de conhecimento, ou seja, a realização de pesquisas — e em instituições não-universitárias, que são organizadas visando
exclusivamente ministrar o ensino." Contida no sítio:
http://www.ufmg.br/conheca/index.shtml às 09:30 do dia 23/04/2007.

Como estimular à produção de conhecimento quando uma das propostas é, paradoxalmente, suprimir uma área deste?

Esta situação leva-me a indagar: Qual tipo de conhecimento buscamos? Seria o consensual, o medíocre? O conhecimento deve ser restringido pela demanda majoritária? Seria a universidade assim, tão míope?

Não percebe que incentiva à obsolescência das relações primárias interpessoais, enaltecendo apenas aquilo que está visível à maioria?

Dizem ser baixa a procura pela habilitação em RRPP no seu vestibular.

Claro, a própria universidade não acretida na profissão. Se agora o que importa é o produto, por que dar atenção aos públicos? Assim sendo, qual seria o sentido de amainar a desigualdade nas relações políticas entre as
partes? Tudo parece estar tão perdido...

Perdoem-me, se precipitado. Ainda não me inteirei a fundo. Mas, escrevi assim que li a notícia da possível extinção do curso de Relações Públicas na UFMG, por uma questão de demanda.

Lembrando que não há demanda pelo que não é conhecido. Parecem dar mais valor à Publicidade e Propaganda... Talvez precisemos de publicitários para disseminar a essência de nosso curso, e não mais de uma universidade.

Tal decisão levaria a um maior desequilíbrio entre MG e SP, haveria ainda mais concentração de mão-de-obra e pesquisa no estado de São Paulo. Surgiria uma emigração para esta unidade federativa. Imaginem o caos que seria o não reconhecimento do curso de engenharia no estado de Minas Gerais, num exemplo mais óbvio. Prédios não mais seriam edificados com segurança, pois os profissionais teriam deixado o estado. Pensem, agora com RRPP no lugar. A carência não estaria mais nos prédios - já previamente condenados - mas sim na ligação construída entre pessoas, pois isso é o que faz a comunicação.

Parece que a valoração só é positiva às onças pintadas e garoupas com números série...

Deveria haver sinergia nos esforços. Contamos com a universidade e aguardamos sua ponderada decisão.

Marcelo Ferreira Antunes
Graduando em Relações Públicas pela UNESP (Universidade Estadual Paulista)