Belo Horizonte, 04 de maio de 2007.
Aos colegas professores do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Aos alunos da Habilitação Relações Públicas da UFMG
Em todo o processo de avaliação da formação profissional do Curso de Comunicação Social, que culminou em agosto de 2006 com a elaboração de propostas no âmbito do Curso de Graduação e do Departamento, preferi manter-me reservado e não me manifestar publicamente, nem mesmo nas instâncias onde o relatório de avaliação foi discutido. Tal decisão, entretanto, não se deu somente pelo motivo de estar afastado para fins do meu doutoramento. Ao ser procurado pelo Coordenador do Curso e da Comissão de Avaliação, ainda no primeiro semestre do ano passado, fui por ele informado que a comissão, já com seus trabalhos em andamento, caminhava para uma proposta de suspensão de habilitações e que a comissão gostaria de ter minha opinião. Impossibilitado naquele momento de dispor de tempo para reunir-me com a comissão, prontifiquei-me a conversar com o Coordenador sobre o assunto. Nesta conversa pude ter noção das idéias que a comissão esboçava e deixei, ali, minha posição favorável à estruturação do curso por áreas de formação (ou ênfases) que pudessem guiar uma reforma curricular consistente e, de certa forma, buscar soluções mais inovadoras que conciliem nosso arranjo departamental e as áreas de conhecimento e de formação (promovendo, inclusive, um alinhamento entre a Graduação e a Pós-Graduação).
Reafirmei a minha posição, já conhecida desde quando participei ativamente da construção da proposta do Currículo 2000, que foi embasada em princípios político-pedagógicos aprovados pelo DCS e pelo Curso: a de que devemos transcender as habilitações, ou seja, criar condições para que não nos deixemos guiar essencialmente pela lógica das habilitações. Mas também, com a experiência de atuação de 17 anos em atividades didáticas profissionalizantes, sempre alertei para a dificuldade de simplesmente deixar de habilitar os alunos, tendo em vista persistirem ainda as habilitações tradicionais como referências do exercício profissional, o que poderia causar prejuízos à inserção profissional dos estudantes.
No caso específico da habilitação de Relações Públicas, fiz várias considerações ao Coordenador, para que levasse à Comissão como subsídios para a avaliação que estava em andamento - inclusive ponderando que a avaliação não deveria ser feita sobre uma conjuntura específica e desfavorável que acometeu a habilitação recentemente - e fiz com que soubesse também do meu desconforto, caso estivesse mais uma vez em jogo uma proposta de suspensão da habilitação RP. Isso por motivo bem simples: tal suspensão já havia sido sugerida como resultado de discussões sobre o projeto pedagógico do curso com a implantação da reforma realizada em 2000 e, para mim, seria uma experiência particularmente desagradável, e mesmo dolorosa, ter de, novamente, enfrentar esta situação.
Considero importante retomar, aqui, a memória daquele processo. No primeiro semestre de 2002 fui membro de uma comissão mista Colegiado/DCS de “acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico do Curso de Graduação em Comunicação Social ”. Esta comissão apresentou, em julho de 2002, um documento-base sobre as condições de oferta do curso, que foi levada à consideração da Câmara Departamental – que eu também presidia na época – e ao Colegiado. Aquele documento, além de vários problemas relacionados à oferta do novo currículo e às condições do Departamento de fazer frente a novas demandas oriundas da flexibilização curricular, apontava uma preocupação central com a adequação do formato do nosso curso às formas de avaliação que vinham sendo instituídas no âmbito do MEC/INEP. O contexto pedia, de fato, tomada de posição quanto às questões de avaliação externa, uma vez que havíamos passado por experiências negativas, sendo a última delas, uma avaliação específica de uma habilitação apenas: a de Jornalismo. As discussões amplas promovidas com o corpo docente concluíram que a necessidade de expansão imediata do quadro de professores era um empecilho para manter a oferta das quatro habilitações, se considerados os critérios de avaliação externa que então se instalavam. Esta indicação foi incorporada no relatório da comissão de avaliação, da qual eu mesmo fiz parte. Mas o estudo feito pela comissão também recomendava uma reavaliação do número de vagas e da periodização, apontando uma demanda de discussão imediata com a Câmara de Graduação para melhor “definir a relação entre as diretrizes e os padrões de avaliação adotados pelo MEC, a autonomia da UFMG para atender ou não a estes padrões e qual o entendimento da UFMG acerca das exigências apresentadas e a importância do seu cumprimento”. Toda esta discussão estava atrelada, em essência, à pressão exercida pelo problema da avaliação externa e do cumprimento dos padrões de qualidade que, da forma como estavam traduzidos no instrumental então adotado para a avaliação do MEC, inviabilizavam o Curso como um todo.
Dada a sua importância, a situação foi trazida à consideração da Assembléia Departamental, e não apenas da Câmara e do Colegiado. O debate foi intenso e, por que não dizer, penoso. As discussões convergiram de imediato para o ponto da suspensão de habilitações e praticamente ficaram circunscritas a este aspecto constante do relatório. Não houve, no entanto, acordo da Assembléia sobre quantas ou quais habilitações deveriam ser suspensas e sobre a forma como se deveria encaminhar e justificar a proposta. Revelou-se, ali, o quanto o tema é complexo e o quanto as questões relativas à profissionalização são delicadas, interferem em vários interesses diferentes e merecem considerações e análises que não são apenas internas ao Curso e ao nosso Departamento (na qualidade de maior ofertante das suas atividades didáticas).
À parte o mérito da discussão em si, a qual me cabia conduzir e encaminhar, causou-me grande pesar a forma como, uma vez desencadeado o debate mais amplo, a habilitação de RP foi tão negativamente avaliada pelos meus pares, em geral. Causaram-me surpresa e espanto algumas manifestações que demonstravam absoluto desprezo pela habilitação e pela área, desconhecimento do seu significado dentro do Curso e falta de respeito aos professores a ela ligados, aos alunos e aos ex-alunos - um julgamento implacável, não somente sobre a habilitação em si, mas também sobre a área de relações públicas e comunicação organizacional, sua pertinência e sua contribuição. Mesmo assim, pela posição que ocupava, preferi ser discreto, não quis particularizar nenhuma polêmica com alguns colegas e não achei pertinente sair em defesa da habilitação.
Mesmo assim, as discussões levadas a cabo no DCS e no Curso ganharam ampla repercussão externa e, para minha surpresa, alastrou-se rapidamente a informação de que “o Curso de RP da Federal estava fechando”. Comecei a receber manifestações, inclusive uma interpelação do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas, que cobrava uma resposta oficial da UFMG quanto a isso. A todos procurei informar o que havia de fato: até então, apenas uma indicação. Mas, com isso, uma visão extremamente negativa da habilitação se instalava para além de nosso ambiente interno.Comecei a ouvir, constrangido, no meio profissional e no meio acadêmico da área de RP e comunicação organizacional sobre a falta de qualidade do “Curso de RP da Federal” (e aqui não podemos desconsiderar outros interesses externos em desqualificar o nosso curso como um todo).
Não poderia, portanto, deixar de ver-me diante de uma sensação de fracasso e de incompetência. O que não fazia justiça aos esforços de todos os que, nestes anos, sustentaram esta habilitação. Também não condizia com a nossa inserção acadêmica cada vez maior e mais qualificada nos principais fóruns de RP e Comunicação Organizacional, onde sempre fomos muito considerados e respeitados, nem sequer com o sucesso obtido por nossos ex-alunos no meio profissional.
Naquela época, procurei deixar bem claro que, para mim, a questão de manter ou não a habilitação não se tratava de pura defesa corporativa de uma profissão ou de um espaço pessoal dentro do DCS e do Curso, mesmo reconhecendo que é bastante difícil que qualquer discussão sobre habilitações esteja totalmente isenta das contradições inerentes ao campo de exercício profissional e de impactos importantes sobre o espaço e o ambiente de atuação de cada docente que se dedica a atividades do ciclo profissionalizante. Tenho explicitado com freqüência minhas posições, até mesmo quando exerci a função de Conselheiro do CONRERP e do CONFERP, de que é necessário rever as velhas formas de exercício profissional, reconfigurar a formação e encontrar formas renovadas de atuação, independente das fronteiras artificialmente estabelecidas e nunca fugi aos debates sobre este assunto. Recusei-me, no entanto, a travar discussões que se limitassem exclusivamente a um viés corporativo, por entender que a área das relações públicas não se restringe a uma profissão, mas representa um conjunto de práticas e um fenômeno que não podem ser ignorados quando se produz conhecimento sobre a comunicação. Considero também, que a segregação desses conhecimentos no âmbito de uma habilitação constrange a verdadeira contribuição que os conhecimentos teóricos e práticos de relações públicas pode prestar ao conjunto da área de comunicação. Acredito firmemente, que o grande desafio posto aos cursos de Graduação em Comunicação Social parte da constatação de que as áreas de exercício profissional correspondem cada vez menos às suas habilitações – e aí incluo todas elas, e não somente a de relações públicas. Foi assim que procurei acompanhar com atenção os desdobramentos dos debates em duas frentes: as discussões sobre a reconfiguração dos estatutos profissionais – não só de RP, mas principalmente do Jornalismo – e sobre a avaliação dos Cursos de Graduação. Em relação a este segundo ponto, é preciso que se diga que há mudanças substanciais na forma como os processos de avaliação se construíram desde 2002. Ou seja, estamos hoje vivendo em outro contexto bastante diferente daquele no qual fomos anteriormente avaliados (apenas no Jornalismo, vale lembrar). E, com uma novidade: a inserção de Relações Públicas no ENADE.
É preciso registrar que os debates de 2002 causaram uma movimentação intensa dos estudantes e dos ex-alunos, para os quais as justificativas de suspensão da habilitação de RP causavam perplexidade e não condiziam com sua própria leitura sobre o que era e como funcionava a formação que lhes era – ou fora – oferecida. Procuraram, por diversos meios, explicitar esse desconforto. No entanto, causaram-me ainda maior tristeza manifestações de colegas do DCS que desqualificavam grosseiramente as manifestações dos discentes e, de certo modo, me acusavam de “manobrar” os estudantes contra o indicativo de suspensão. Digo, de coração aberto, que não tomei nenhuma iniciativa neste sentido, nem mesmo de levar o assunto, ainda no nível de uma deliberação preliminar – para qualquer outra instância externa que fosse, como facilmente podem testemunhar os ex-alunos e colegas que acompanharam mais de perto o desenrolar desse processo e com quem, de certo modo, dividi as dificuldades que se apresentavam. Como Chefe do Departamento, respondi a todas as consultas que me foram dirigidas, como seria do meu dever (inclusive oficialmente, como podem comprovar os arquivos da Secretaria do DCS), e procurei minimizar externamente o impacto negativo causado pelo vazamento de notícias que, na verdade, colocavam sobre o fato um acento dramático e despropositado que não atingiam somente a imagem externa da habilitação de RP, mas de todo o curso, com conseqüências nefastas para todos, inclusive para os egressos.
Com tudo isso, senti-me profundamente afetado. Procurei dar um tratamento institucional para esta questão e abstrair os desconfortos pessoais, confiando que as grandes discussões sobre o projeto pedagógico do Curso pudessem ser, mais adiante, retomadas em outras bases. Foi por este motivo que, ao encontrar-me de novo, em 2006, diante de uma proposta de suspensão de habilitações, na conversa com o Coordenador, deixei claro o meu propósito de não me envolver nas discussões, caso a proposta de suspensão caminhasse na direção da habilitação de Relações Públicas.
Não foi uma decisão fácil, mas foi tomada diante da minha limitação pessoal de dar conta de um processo que já havia sido particularmente doloroso e para oqual não me sentia em condições de enfrentar novamente. Manifestei, então, minha confiança no juízo daquela comissão, dos pares e das instâncias às quais caberia deliberar realmente sobre o assunto e entendendo que, mais do que habilitações, áreas ou interesses particulares, o que está em jogo é um projeto coletivo.
Tendo a comissão materializado, de fato, a proposta de suspensão da habilitação de RP, cumpri a palavra dada ao Coordenador. Não procurei esconder de colegas o meu desconforto, mas me eximi de fazer em público considerações específicas sobre o documento e a proposta apresentada, não compareci deliberadamente a nenhuma das reuniões convocadas para discutir o assunto e julguei-me num dever de lealdade institucional e pessoal manifestar algumas poucas considerações e ponderações e justificar minha ausência à Chefe do Departamento. Procurei, mais de uma vez, deixar patente algo que me sinto premido a dizer agora, publicamente:
(1) em nenhum momento dei a quem quer que seja procuração para manifestar ou agir em meu nome contra as propostas em pauta;
(2) em todas as ocasiões em que fui procurado para dizer algo sobre o assunto, limitei-me a registrar minha impossibilidade pessoal de me envolver efetivamente na discussão, deixei claro meu desconforto e meu propósito de não me manifestar sobre o mérito do documento da comissão.
Alguns fatos me compeliram a vir, de público, prestar estes esclarecimentos. Em primeiro lugar porque a tramitação da proposta na instância superior – a Câmara de Graduação – provocou uma intensa mobilização dos estudantes em favor da manutenção da habilitação, o que, para mim, tomou uma dimensão inusitada. Quero deixar claro que tenho procurado guardar distância dessa movimentação e o faço em absoluto respeito às decisões tomadas pelo Departamento e pelo Curso para as quais eu, deliberadamente, pelas razões acima expostas, me eximi de participar.
Faço isso, sem dúvida, a um custo pessoal muito grande, porque não espero que os próprios alunos, ex-alunos e entidades compreendam o meu silêncio e a minha inação. Eles podem perfeitamente tomar minha abstenção apenas como um ato omisso e covarde. Mas não posso deixar que, neste momento, pessoas levantem suspeitas sobre o meu real envolvimento na questão, não posso permitir que usem o meu nome para defender qualquer posição. Por isso tomo a liberdade de falar de peito aberto aos colegas, aos alunos e aos ex-alunos. Neste momento, em especial, por tomar conhecimento de algumas manifestações afetuosas de alunos e ex-alunos que me tocaram profundamente e pela declaração proferida na semana passada, em evento realizado na PUC-MG, pela Profa. Margarida Kunsch (evento ao qual não compareci).
Mais do que uma eventual suspensão da habilitação, para mim está em jogo uma avaliação digna e respeitosa que se faça de um trabalho e de um projeto de formação que sempre foi muito além dos limites dessa habilitação e não foi feito apenas por mim: é fruto do trabalho de todos os professores da área, não apenas os efetivos, como também os substitutos e estagiários docentes, que por aqui passaram, dos monitores de graduação que participaram intensamente desses esforços, da funcionária técnica de Relações Públicas e ainda de todo o conjunto dos meus colegas de DCS, independente das suas áreas e habilitações, porque na UFMG procuramos manter, mesmo com todas as dificuldades, um curso que não fosse compartimentado apenas nos estreitos moldes das habilitações e pudesse dar um aporte teórico mais amplo (o que, para minha satisfação, é sempre ressaltado positivamente pelos nossos ex-alunos, que reconhecem um diferencial que a UFMG lhes proporcionou para galgarem as suas posições profissionais).
Creio que a todos devo uma palavra sincera, mas não seria próprio e tempestivo, portanto, que me manifestasse agora às instâncias formais a quem cabe dar curso ou não à proposta e, por isso, preferi colocar alguns esclarecimentos nesta carta. Se não me apresentei à discussão nos momentos próprios em que poderia ter interferido nos seus rumos, não considero ético fazer qualquer apelo agora, porque simplesmente confiei nos resultados da decisão tomada coletivamente pela maioria e a respeito. Não desejo, com isso, abrir nenhuma polêmica e reafirmo uma postura que, acredito, sempre pautou minha atuação no DCS e no Curso, de zelo pelas suas instâncias deliberativas. Não quero que esta manifestação seja interpretada de modo algum como uma desqualificação das decisões já tomadas ou mesmo particularizar posições, o que acho desagradável e inócuo. É algo que temos que considerar no plano coletivo, muito acima de posições e interesses pessoais, e pensando num futuro comum. Vejo com bons olhos o esforço do Departamento e do Curso de buscar novas soluções, principalmente de construir um novo projeto pedagógico que incorpore as nossas melhores contribuições para uma formação profissionalizante séria e competente. Meu desejo é que as discussões possam ocorrer de forma serena e lúcida, com o respeito que devemos manter ao trabalho e ao esforço dos colegas.
Cordialmente,
Prof. Márcio Simeone Henriques
Aos colegas professores do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Aos alunos da Habilitação Relações Públicas da UFMG
Em todo o processo de avaliação da formação profissional do Curso de Comunicação Social, que culminou em agosto de 2006 com a elaboração de propostas no âmbito do Curso de Graduação e do Departamento, preferi manter-me reservado e não me manifestar publicamente, nem mesmo nas instâncias onde o relatório de avaliação foi discutido. Tal decisão, entretanto, não se deu somente pelo motivo de estar afastado para fins do meu doutoramento. Ao ser procurado pelo Coordenador do Curso e da Comissão de Avaliação, ainda no primeiro semestre do ano passado, fui por ele informado que a comissão, já com seus trabalhos em andamento, caminhava para uma proposta de suspensão de habilitações e que a comissão gostaria de ter minha opinião. Impossibilitado naquele momento de dispor de tempo para reunir-me com a comissão, prontifiquei-me a conversar com o Coordenador sobre o assunto. Nesta conversa pude ter noção das idéias que a comissão esboçava e deixei, ali, minha posição favorável à estruturação do curso por áreas de formação (ou ênfases) que pudessem guiar uma reforma curricular consistente e, de certa forma, buscar soluções mais inovadoras que conciliem nosso arranjo departamental e as áreas de conhecimento e de formação (promovendo, inclusive, um alinhamento entre a Graduação e a Pós-Graduação).
Reafirmei a minha posição, já conhecida desde quando participei ativamente da construção da proposta do Currículo 2000, que foi embasada em princípios político-pedagógicos aprovados pelo DCS e pelo Curso: a de que devemos transcender as habilitações, ou seja, criar condições para que não nos deixemos guiar essencialmente pela lógica das habilitações. Mas também, com a experiência de atuação de 17 anos em atividades didáticas profissionalizantes, sempre alertei para a dificuldade de simplesmente deixar de habilitar os alunos, tendo em vista persistirem ainda as habilitações tradicionais como referências do exercício profissional, o que poderia causar prejuízos à inserção profissional dos estudantes.
No caso específico da habilitação de Relações Públicas, fiz várias considerações ao Coordenador, para que levasse à Comissão como subsídios para a avaliação que estava em andamento - inclusive ponderando que a avaliação não deveria ser feita sobre uma conjuntura específica e desfavorável que acometeu a habilitação recentemente - e fiz com que soubesse também do meu desconforto, caso estivesse mais uma vez em jogo uma proposta de suspensão da habilitação RP. Isso por motivo bem simples: tal suspensão já havia sido sugerida como resultado de discussões sobre o projeto pedagógico do curso com a implantação da reforma realizada em 2000 e, para mim, seria uma experiência particularmente desagradável, e mesmo dolorosa, ter de, novamente, enfrentar esta situação.
Considero importante retomar, aqui, a memória daquele processo. No primeiro semestre de 2002 fui membro de uma comissão mista Colegiado/DCS de “acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico do Curso de Graduação em Comunicação Social ”. Esta comissão apresentou, em julho de 2002, um documento-base sobre as condições de oferta do curso, que foi levada à consideração da Câmara Departamental – que eu também presidia na época – e ao Colegiado. Aquele documento, além de vários problemas relacionados à oferta do novo currículo e às condições do Departamento de fazer frente a novas demandas oriundas da flexibilização curricular, apontava uma preocupação central com a adequação do formato do nosso curso às formas de avaliação que vinham sendo instituídas no âmbito do MEC/INEP. O contexto pedia, de fato, tomada de posição quanto às questões de avaliação externa, uma vez que havíamos passado por experiências negativas, sendo a última delas, uma avaliação específica de uma habilitação apenas: a de Jornalismo. As discussões amplas promovidas com o corpo docente concluíram que a necessidade de expansão imediata do quadro de professores era um empecilho para manter a oferta das quatro habilitações, se considerados os critérios de avaliação externa que então se instalavam. Esta indicação foi incorporada no relatório da comissão de avaliação, da qual eu mesmo fiz parte. Mas o estudo feito pela comissão também recomendava uma reavaliação do número de vagas e da periodização, apontando uma demanda de discussão imediata com a Câmara de Graduação para melhor “definir a relação entre as diretrizes e os padrões de avaliação adotados pelo MEC, a autonomia da UFMG para atender ou não a estes padrões e qual o entendimento da UFMG acerca das exigências apresentadas e a importância do seu cumprimento”. Toda esta discussão estava atrelada, em essência, à pressão exercida pelo problema da avaliação externa e do cumprimento dos padrões de qualidade que, da forma como estavam traduzidos no instrumental então adotado para a avaliação do MEC, inviabilizavam o Curso como um todo.
Dada a sua importância, a situação foi trazida à consideração da Assembléia Departamental, e não apenas da Câmara e do Colegiado. O debate foi intenso e, por que não dizer, penoso. As discussões convergiram de imediato para o ponto da suspensão de habilitações e praticamente ficaram circunscritas a este aspecto constante do relatório. Não houve, no entanto, acordo da Assembléia sobre quantas ou quais habilitações deveriam ser suspensas e sobre a forma como se deveria encaminhar e justificar a proposta. Revelou-se, ali, o quanto o tema é complexo e o quanto as questões relativas à profissionalização são delicadas, interferem em vários interesses diferentes e merecem considerações e análises que não são apenas internas ao Curso e ao nosso Departamento (na qualidade de maior ofertante das suas atividades didáticas).
À parte o mérito da discussão em si, a qual me cabia conduzir e encaminhar, causou-me grande pesar a forma como, uma vez desencadeado o debate mais amplo, a habilitação de RP foi tão negativamente avaliada pelos meus pares, em geral. Causaram-me surpresa e espanto algumas manifestações que demonstravam absoluto desprezo pela habilitação e pela área, desconhecimento do seu significado dentro do Curso e falta de respeito aos professores a ela ligados, aos alunos e aos ex-alunos - um julgamento implacável, não somente sobre a habilitação em si, mas também sobre a área de relações públicas e comunicação organizacional, sua pertinência e sua contribuição. Mesmo assim, pela posição que ocupava, preferi ser discreto, não quis particularizar nenhuma polêmica com alguns colegas e não achei pertinente sair em defesa da habilitação.
Mesmo assim, as discussões levadas a cabo no DCS e no Curso ganharam ampla repercussão externa e, para minha surpresa, alastrou-se rapidamente a informação de que “o Curso de RP da Federal estava fechando”. Comecei a receber manifestações, inclusive uma interpelação do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas, que cobrava uma resposta oficial da UFMG quanto a isso. A todos procurei informar o que havia de fato: até então, apenas uma indicação. Mas, com isso, uma visão extremamente negativa da habilitação se instalava para além de nosso ambiente interno.Comecei a ouvir, constrangido, no meio profissional e no meio acadêmico da área de RP e comunicação organizacional sobre a falta de qualidade do “Curso de RP da Federal” (e aqui não podemos desconsiderar outros interesses externos em desqualificar o nosso curso como um todo).
Não poderia, portanto, deixar de ver-me diante de uma sensação de fracasso e de incompetência. O que não fazia justiça aos esforços de todos os que, nestes anos, sustentaram esta habilitação. Também não condizia com a nossa inserção acadêmica cada vez maior e mais qualificada nos principais fóruns de RP e Comunicação Organizacional, onde sempre fomos muito considerados e respeitados, nem sequer com o sucesso obtido por nossos ex-alunos no meio profissional.
Naquela época, procurei deixar bem claro que, para mim, a questão de manter ou não a habilitação não se tratava de pura defesa corporativa de uma profissão ou de um espaço pessoal dentro do DCS e do Curso, mesmo reconhecendo que é bastante difícil que qualquer discussão sobre habilitações esteja totalmente isenta das contradições inerentes ao campo de exercício profissional e de impactos importantes sobre o espaço e o ambiente de atuação de cada docente que se dedica a atividades do ciclo profissionalizante. Tenho explicitado com freqüência minhas posições, até mesmo quando exerci a função de Conselheiro do CONRERP e do CONFERP, de que é necessário rever as velhas formas de exercício profissional, reconfigurar a formação e encontrar formas renovadas de atuação, independente das fronteiras artificialmente estabelecidas e nunca fugi aos debates sobre este assunto. Recusei-me, no entanto, a travar discussões que se limitassem exclusivamente a um viés corporativo, por entender que a área das relações públicas não se restringe a uma profissão, mas representa um conjunto de práticas e um fenômeno que não podem ser ignorados quando se produz conhecimento sobre a comunicação. Considero também, que a segregação desses conhecimentos no âmbito de uma habilitação constrange a verdadeira contribuição que os conhecimentos teóricos e práticos de relações públicas pode prestar ao conjunto da área de comunicação. Acredito firmemente, que o grande desafio posto aos cursos de Graduação em Comunicação Social parte da constatação de que as áreas de exercício profissional correspondem cada vez menos às suas habilitações – e aí incluo todas elas, e não somente a de relações públicas. Foi assim que procurei acompanhar com atenção os desdobramentos dos debates em duas frentes: as discussões sobre a reconfiguração dos estatutos profissionais – não só de RP, mas principalmente do Jornalismo – e sobre a avaliação dos Cursos de Graduação. Em relação a este segundo ponto, é preciso que se diga que há mudanças substanciais na forma como os processos de avaliação se construíram desde 2002. Ou seja, estamos hoje vivendo em outro contexto bastante diferente daquele no qual fomos anteriormente avaliados (apenas no Jornalismo, vale lembrar). E, com uma novidade: a inserção de Relações Públicas no ENADE.
É preciso registrar que os debates de 2002 causaram uma movimentação intensa dos estudantes e dos ex-alunos, para os quais as justificativas de suspensão da habilitação de RP causavam perplexidade e não condiziam com sua própria leitura sobre o que era e como funcionava a formação que lhes era – ou fora – oferecida. Procuraram, por diversos meios, explicitar esse desconforto. No entanto, causaram-me ainda maior tristeza manifestações de colegas do DCS que desqualificavam grosseiramente as manifestações dos discentes e, de certo modo, me acusavam de “manobrar” os estudantes contra o indicativo de suspensão. Digo, de coração aberto, que não tomei nenhuma iniciativa neste sentido, nem mesmo de levar o assunto, ainda no nível de uma deliberação preliminar – para qualquer outra instância externa que fosse, como facilmente podem testemunhar os ex-alunos e colegas que acompanharam mais de perto o desenrolar desse processo e com quem, de certo modo, dividi as dificuldades que se apresentavam. Como Chefe do Departamento, respondi a todas as consultas que me foram dirigidas, como seria do meu dever (inclusive oficialmente, como podem comprovar os arquivos da Secretaria do DCS), e procurei minimizar externamente o impacto negativo causado pelo vazamento de notícias que, na verdade, colocavam sobre o fato um acento dramático e despropositado que não atingiam somente a imagem externa da habilitação de RP, mas de todo o curso, com conseqüências nefastas para todos, inclusive para os egressos.
Com tudo isso, senti-me profundamente afetado. Procurei dar um tratamento institucional para esta questão e abstrair os desconfortos pessoais, confiando que as grandes discussões sobre o projeto pedagógico do Curso pudessem ser, mais adiante, retomadas em outras bases. Foi por este motivo que, ao encontrar-me de novo, em 2006, diante de uma proposta de suspensão de habilitações, na conversa com o Coordenador, deixei claro o meu propósito de não me envolver nas discussões, caso a proposta de suspensão caminhasse na direção da habilitação de Relações Públicas.
Não foi uma decisão fácil, mas foi tomada diante da minha limitação pessoal de dar conta de um processo que já havia sido particularmente doloroso e para oqual não me sentia em condições de enfrentar novamente. Manifestei, então, minha confiança no juízo daquela comissão, dos pares e das instâncias às quais caberia deliberar realmente sobre o assunto e entendendo que, mais do que habilitações, áreas ou interesses particulares, o que está em jogo é um projeto coletivo.
Tendo a comissão materializado, de fato, a proposta de suspensão da habilitação de RP, cumpri a palavra dada ao Coordenador. Não procurei esconder de colegas o meu desconforto, mas me eximi de fazer em público considerações específicas sobre o documento e a proposta apresentada, não compareci deliberadamente a nenhuma das reuniões convocadas para discutir o assunto e julguei-me num dever de lealdade institucional e pessoal manifestar algumas poucas considerações e ponderações e justificar minha ausência à Chefe do Departamento. Procurei, mais de uma vez, deixar patente algo que me sinto premido a dizer agora, publicamente:
(1) em nenhum momento dei a quem quer que seja procuração para manifestar ou agir em meu nome contra as propostas em pauta;
(2) em todas as ocasiões em que fui procurado para dizer algo sobre o assunto, limitei-me a registrar minha impossibilidade pessoal de me envolver efetivamente na discussão, deixei claro meu desconforto e meu propósito de não me manifestar sobre o mérito do documento da comissão.
Alguns fatos me compeliram a vir, de público, prestar estes esclarecimentos. Em primeiro lugar porque a tramitação da proposta na instância superior – a Câmara de Graduação – provocou uma intensa mobilização dos estudantes em favor da manutenção da habilitação, o que, para mim, tomou uma dimensão inusitada. Quero deixar claro que tenho procurado guardar distância dessa movimentação e o faço em absoluto respeito às decisões tomadas pelo Departamento e pelo Curso para as quais eu, deliberadamente, pelas razões acima expostas, me eximi de participar.
Faço isso, sem dúvida, a um custo pessoal muito grande, porque não espero que os próprios alunos, ex-alunos e entidades compreendam o meu silêncio e a minha inação. Eles podem perfeitamente tomar minha abstenção apenas como um ato omisso e covarde. Mas não posso deixar que, neste momento, pessoas levantem suspeitas sobre o meu real envolvimento na questão, não posso permitir que usem o meu nome para defender qualquer posição. Por isso tomo a liberdade de falar de peito aberto aos colegas, aos alunos e aos ex-alunos. Neste momento, em especial, por tomar conhecimento de algumas manifestações afetuosas de alunos e ex-alunos que me tocaram profundamente e pela declaração proferida na semana passada, em evento realizado na PUC-MG, pela Profa. Margarida Kunsch (evento ao qual não compareci).
Mais do que uma eventual suspensão da habilitação, para mim está em jogo uma avaliação digna e respeitosa que se faça de um trabalho e de um projeto de formação que sempre foi muito além dos limites dessa habilitação e não foi feito apenas por mim: é fruto do trabalho de todos os professores da área, não apenas os efetivos, como também os substitutos e estagiários docentes, que por aqui passaram, dos monitores de graduação que participaram intensamente desses esforços, da funcionária técnica de Relações Públicas e ainda de todo o conjunto dos meus colegas de DCS, independente das suas áreas e habilitações, porque na UFMG procuramos manter, mesmo com todas as dificuldades, um curso que não fosse compartimentado apenas nos estreitos moldes das habilitações e pudesse dar um aporte teórico mais amplo (o que, para minha satisfação, é sempre ressaltado positivamente pelos nossos ex-alunos, que reconhecem um diferencial que a UFMG lhes proporcionou para galgarem as suas posições profissionais).
Creio que a todos devo uma palavra sincera, mas não seria próprio e tempestivo, portanto, que me manifestasse agora às instâncias formais a quem cabe dar curso ou não à proposta e, por isso, preferi colocar alguns esclarecimentos nesta carta. Se não me apresentei à discussão nos momentos próprios em que poderia ter interferido nos seus rumos, não considero ético fazer qualquer apelo agora, porque simplesmente confiei nos resultados da decisão tomada coletivamente pela maioria e a respeito. Não desejo, com isso, abrir nenhuma polêmica e reafirmo uma postura que, acredito, sempre pautou minha atuação no DCS e no Curso, de zelo pelas suas instâncias deliberativas. Não quero que esta manifestação seja interpretada de modo algum como uma desqualificação das decisões já tomadas ou mesmo particularizar posições, o que acho desagradável e inócuo. É algo que temos que considerar no plano coletivo, muito acima de posições e interesses pessoais, e pensando num futuro comum. Vejo com bons olhos o esforço do Departamento e do Curso de buscar novas soluções, principalmente de construir um novo projeto pedagógico que incorpore as nossas melhores contribuições para uma formação profissionalizante séria e competente. Meu desejo é que as discussões possam ocorrer de forma serena e lúcida, com o respeito que devemos manter ao trabalho e ao esforço dos colegas.
Cordialmente,
Prof. Márcio Simeone Henriques
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